Beth & Heinz Klein

(Moto)viagens

Diário de bordo -  África 2016

África do Sul - Western Cape I

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Sexta-feira a domingo
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Cape Town

O dia começou com algumas atividades 'administrativas': levamos roupa para a lavanderia (lavamos algumas peças em Aus, onde o preço do hotel era muito razoável e depois aguentamos até hoje), numa lavanderia que lava por quilo. Bem prático.

Depois fomos trocar dinheiro, e descobrimos que a burocracia bancária aqui é imensamente mais complicada que no Brasil.  A agência escolhida, por ser central, tinha bastante movimento, a fila única para os caixas era de umas 20-25 pessoas, com dois caixas atendendo. Depois foi aberto mais um caixa mas uma senhora com um monte de papéis monopolizou esse caixa.

Mas ficamos em torno de uma hora lá dentro!!! Aliás, eu fiquei, pois pensando nos bancos brasileiros e considerando todos os alertas de segurança que ouvimos optamos por deixar a Beth lá fora com celular e outros objetos que poderiam ter sido barrados pelo sistema de acesso. Depois constatamos que esse tipo de controle não existe aqui: nessa agência até havia dessas portas duplas, em que é preciso fechar a primeira para abrir a segunda, e e outros bancos há postas giratórias como é comum no Brasil. Entretanto, não parece haver muito controle sobre o que a pessoa está carregando ou então o nível de tolerância dos sensores é bem maior que no Brasil.

O problema da demora é que nenhum cliente ficava menos que cinco minutos no caixa! Era um tal de carimbar, pedir assinatura do cliente e sei lá o que mais que até pensei que cada cliente estivesse fazendo diversas transações, mas não era o caso.

Agora, se o dia-a-dia é complicado, imagine o estranho querendo fazer câmbio! Tentando resumir: verifica a autenticidade de cada nota de U$, procura o visto de entrada no passaporte, vai fazer cópia da página de identificação e da página do visto do passaporte, uns dois minutos para localizar a cotação do câmbio naquele momento e explicar para mim o que seria deduzido de comissão e impostos, vai para a retaguarda coletar autorização, imprime três cópias de três páginas das quais tenho que assinar duas e preencher meus dados, incluindo endereço no Brasil numa delas, chama dois superiores em sequencia para liberar o caixa, coloca o dinheiro na máquina de contar e finalmente entrega o dinheiro... Isso levou mais de dez minutos!

Depois de guardar o dinheiro no cofre do hotel fomos à Vodacom tentar resolver um problema com nosso chip sul-africano: de volta da Namíbia ele não fazia mais acesso a dados, só voz e SMS. Acabamos descobrindo que no iPhone 5S funciona (ele estava num 4) e deixamos assim. Mas nesse momento fomos surpreendidos por algo que o vendedor da loja disse: na noite anterior o porteiro do hotel havia nos recebido com um "benvindos à cidade mais segura da África do Sul". Agora, ao nos prepararmos para sair da loja, e com o Google Maps aberto para ver para onde ir em seguida, o vendedor disse que não devíamos andar com o celular na mão, deveríamos montar o roteiro no Google Maps e deixar que o programa nos orientasse usando fones de ouvido!

Puxa, que cidade mais segura do país é essa? Resultado, examinamos o mapa, enfiamos o celular no bolso e... tomamos o sentido errado (diretamente oposto) do nosso destino! Já é a segunda vez que isso me acontece; pelo jeito meu senso de orientação, que costumava ser bastante bom, está começando a falhar.

Uma situação que enfrentamos com certa frequência, aqui e em outros países: perguntamos a que distância fica um determinado destino e ouvimos como resposta, meio incondicional, que devemos tomar um taxi ou coisa parecida. Isso quando estamos falando de destinos que ficam a menos de três quilômetros de distância (40-50 minutos caminhando), coisa que não vemos o menor problema em fazer a pé. Inclusive achamos mais interessante porque proporciona a oportunidade de andar no meio da população e olhar a cidade com mais calma e detalhe.

O mesmo aconteceu hoje. Acabamos complicando a caminhada pois com o erro de sentido acrescentamos pelo menos 1,5 km. ao que deveríamos andar, mas mesmo assim chegamos sem problemas e sem cansaço excessivo ao Victoria & Alfred Waterfront, que era nosso destino.

Como em outras cidades (Puerto Madero em Buenos Aires é o melhor exemplo perto de nós, o RIo de Janeiro ainda é uma promessa) o V&A Waterfront é um projeto de revitalização de parte do porto de Cape Town, através da instalação de um hotel de alto padrão e um grande centro de compras. Mas nesta cidade esse processo tem um ângulo um pouco diferente: diretamente ao lado dessa área modernizada, continuam funcionando a pleno vapor pelo menos dois estaleiros para manutenção de navios/barcos de pequeno a médio porte.

Acaba sendo bem iinteressante essa convivência entre atividade industrial e comércio/lazer. Bons restaurantes, lojas incluindo uma de Havaianas (incrível, o danado do chinelo está dominando o mundo!). Fizemos nossa refeição diária numa cervejaria com raízes irlandesas e ficamos passeando por lá para ver e sentir um pouco esse lado da cidade.

Aproveitamos também para comprar e carregar o cartão para usar o sistema de ônibus de Cape Town, muito prático e eficiente. Ele foi usado imediatamente para retornar ao hotel, com uma passada pela lavanderia que havia avisado por SMS que a roupa estava pronta para ser retirada.

No sábado (25/06), nosso plano era visitar a Table Mountain e Robben Island (onde Nelson Mandela ficou preso a maior parte do tempo). A realização desse plano era um pouco problemática em função do que vimos da montanha: no dia anterior acordamos com ela lindamente iluminada pelo sol, e antes do meio dia ela estava mergulhada em nuvens, que impediam enxergar o topo. No sábado já começou nublada, e estava difícil decidir se subíamos ou não - o passeio não é barato para padrões de turismo sul-africano.

Decidimos tomar o ônibus para ir a Robben Island, de modo a dar um tempo para a Table Mountain 'abrir'. O problema que não havíamos previsto adequadamente: no sábado a frequência dos ônibus cai à metade ou menos (no domingo é ainda pior). Como resultado, quando chegamos na estação onde deveríamos trocar de ônibus para ir ao Watefront, percebemos que não chegaríamos a tempo de tomar o barco das 11h00 para Robben Island.

Decidimos então inverter a sequencia e tentar a Table Mountain. Ônibus até o pé da montanha (que já é bem acima da cidade), outro ônibus até a estação do teleférico e aí a decisão: vamos ou não? Olhávamos para cima e víamos as cabines do teleférico sumindo nas nuvens, e o topo da montanha devia estar em algum lugar por ali... No fim decidimos arriscar, e não nos arrependemos! Sem dúvida não vimos um monte de coisas, pois sempre havia um monte de nuvens bloqueando a vista, mas a própria 'mesa' da montanha (quase totalmente plana) como as poucas aberturas que ocorriam nas nuvens nos ofereceram cenas muito bonitas.

Depois de passearmos o que achamos que seria razoável (há caminhos que podem manter um visitante um par de horas ou mais lá em cima) tomamos o teleférico de volta e tocamos para o porto para o passeio para Robben Island. Corremos para chegar à estação de compra das passagens a tempo e... descobrimos que o passeio das 15h00 não é realizado no inverno! Então tá, né? Não conseguimos ver um local bastante marcante da luta contra o Apartheid.

Já que estávamos no Waterfront, aproveitamos para almoçar num bom restaurante italiano, comprar algumas coisas no supermercado que há no subsolo do centro comercial e voltamos para o hotel. Ainda não conseguimos (não sabemos se conseguiremos) nos sentir corajosos para sair à noite. Entre 17h30 e 18h00 estamos nos recolhendo ao hotel, temerosos em função dos alertas que ouvimos com tanta frequência. É bem verdade que o frio também não anima muito!

O domingo havia sido reservado para descermos a península em cuja base está Cape Town para visitar o Cabo da Boa Esperança - afinal não podíamos deixar de visitar esse local tão mencionado pelas nossas lições de história. Já havíamos reservado um carro, originalmente no aeroporto porque pegar na cidade saía muito mais caro. Com ajuda da recepcionista do hotel - aliás, pudemos experimentar o que é muito elogiado no Trip Advisor, a enorme solicitude do pessoal do hotel - conseguimos mudar nossa reserva para o centro da cidade sem alteração de tarifa!

Acabamos tendo um pequeno prejuízo com isso, pois havíamos carregado os cartões do ônibus prevendo uma ida ao aeroporto, e agora não teríamos como gastar ou receber de volta essa quantia. Até pensamos em tentar vender os cartões no hotel mas acabamos não indo atrás disso.

A ida ao Cabo da Boa Esperança é uma viagem de uns 40 km. a partir de Cape Town, passando por uma costa muito bonita. No caminho aproveitamos para visitar a Seal Island. É uma ilha (na realidade um rochedo mais ou menos plano) onde vivem centenas de focas.

Há barcos que saem de Hout Bay para levar os turistas até essa ilha. É interessante, mas esperávamos um pouco mais: o barco simplesmente se aproxima da ilha, fica alguns minutos flutuando perto dela para que se possa tentar fazer uma foto razoável (não é fácil porque o barco balança bastante) e retorna para o porto. Mas tudo bem, deu para ver as focas.

Dali seguimos para o extremo sul da península. A área do cabo é um parque com entrada controlada e (bem) paga. É possível visitar as duas pontas que compõe o extremo da penísula. O Cabo da Boa Esperança em si fica no extremo oeste, e tem toda a história de dificuldade de ser contornado pelos navios no século XV. Entretanto, depois dele há uma outra ponta, bem a leste e até mais ao sul que o cabo, que é realmente a virada final em torno da península. Inclusive é nessa outra ponta que fica o farol de orientação para os navios que contornam o cabo da Boa Esperança.

E se você pensa que com isso contornou a África também está enganado: o ponto mais ao sul do continente é mais a leste, no cabo Agulhas (veja novamente a influência portuguesa - até hoje é esse o nome oficial do cabo e da cidade que fica por ali). Inclusive é em Cape Agulhas que se considera que os oceanos Atlântico e Índico se encontram.

Hoje o tempo estava bom e não havia nada que justificasse o outro nome do cabo: das Tormentas. Mas o vento era suficientemente forte para nos fazer desistir de qualquer caminhada pelas trilhas ou de subir de funicular até o farol.

Ainda fomos ver dois marcos importantes: os padrões (cruzes) deixados por Bartolomeu Dias (do lado do oceano) e por Vasco da Gama (do lado de False Bay, a baía formada pela península a leste). Os monumentos são novos, inclusive no de Bartolomeu Dias é dito que não se sabe qual era o aspecto exato do original. Um aspecto interessante é que a face dos padrões voltada para o mar é pintada de preto, para formar uma silhueta mais fácill de ver contra o céu pelos navegantes a partir do mar.

Na volta almoçamos num restaurante à beira da False Bay. Com exceção das caças grelhadas em Sossusvlei ainda não comemos nada que possa ser considerado mais 'africano'. A maioria dos restaurantes onde entramos têm cardápios bastante convencionais, como esse de hoje, especializado em peixes. Como estamos e vamos andar muito pela costa, acreditamos que daqui para a frente peixe será a maior parte da nossa dieta: é um alimento que apreciamos e acaba sendo uma opção meio automática.

À noite, ainda fomos encontrar um conhecido que fiz na atividade profissional, um português moçambicano que nos ajudou a entender um pouco mais como funciona a sociedade sul-africana - bem complicada, com diversas sequelas do Apartheid ainda perceptíveis quando se olha mais de perto.

Uma dos fatos que ele nos contou que ilustra esses problemas: o filho (branco) dele conseguiu vaga na faculdade de medicina onde estuda por ter conseguido um índice de acerto no exame de admissão de mais de 93%. Se ele fosse negro bastariam 75% (ou algo nessa ordem de grandeza) e se fosse mulato (colored como dizem aqui), o valor ficaria em algum lugar entre esses dois. Ou seja, eles usam um sistema de cotas similar ao do Brasil e tão discutível quanto o nosso.

Não temos dados concretos, mas é difícil imaginar que não exista uma dose de ressentimento da população negra pelo tratamento que sofreu durante décadas de Apartheid (afinal faz apenas 20 anos que isso acabou), sem contar o período colonial antes da formalização dessa segregação por lei. E que essa população continua, com poucas exceções, sendo a base comprimida da pirâmide salarial do país. E da mesma maneira, não é fácil entender a vida de uma minoria branca que é claramente a camada economicamente melhor situada mas, com relativamente pouca participação política (pelo menos formal).

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