Beth & Heinz Klein

(Moto)viagens

Diário de bordo -  Américas 2011: Brasil / Maranhão - Pará


26/03/2011 - Sábado: Araguaína - Açailândia

Encontramos o Avelino no café da manhã, conversamos mais um pouco, e pegamos novamente a estrada. Por sugestão do Avelino e do David, que encontraríamos em Belém, ao invés de seguir pela Belém-Brasília fomos em direção ao leste, para Filadélfia (TO) e Carolina (MA), para ver as formações rochosas características dessa região.

Nova travessia de balsa sobre o Tocantins, igualzinha à anterior, mas com uma característica interessante: para chegar à balsa tivemos que transitar por um aterro em péssimo estado de conservação, que dava a ímpressão de que estavam se preparando para construir uma ponte para substituir a balsa. Ledo engano: conversando com um vendedor de água a bordo da balsa, ficamos sabendo que o aterro era provisório, como uma forma de permitir acesso à balsa enquanto o nível do lago que está sendo formado pela usina hidroelétrica de Estreito vai subindo: conforme a água sobe o aterro vai sendo coberto e a balsa aumenta seu trajeto até  chegar em algum ponto de atracação definitivo no futuro.



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Esse desvio certamente valeu a pena: as paisagens são realmente deslumbrantes, e as formações rochosas algo muito especial. Há ainda uma outra atração ao longo da estrada para Estreito que é a cachoeira de Pedra Caída, mas quando ficamos sabendo que o acesso a ela envolvia uma caminhada de uma hora optamos por seguir em frente.

Em Estreito retomamos a Belém-Brasília com destino a Açailândia, ainda no Maranhão, onde nos haviam informado que encontraríamos hotéis bons para um pernoite.
Isso sem dúvida é verdade, há pelo menos três hotéis bem razoáveis na cidade, apesar dos preços que nos pareceram um tanto 'salgados' para uma cidade daquelas: ficamos no mais barato dos três, por R$ 122,00. Mas no fundo não podemos reclamar: ar-condicionado split, chuveiro com aquecimento central e um quarto enorme.

O pitoresco da chegada a Açailândia é que entre a chegada à cidade e a chegada ao hotel levamos duas horas: primeiro procuramos por conta própria o hotel Três Marias (indicação do Avelino) ao longo da BR, depois descobrimos, no centro da cidade, que esse hotel não existe e sim um Santa Maria. Mais um pouco de procura e perguntas até descobrir onde ele fica, mas quando chegamos a esse ponto ficamos bons vinte minutos num posto esperando nossa fiel companheira (chuva) passar.

Durante essa espera encontramos mais algumas dessas figuras inesquecíveis que se coleciona numa viagem dessas. Primeiro foi um caminhoneiro de Belém, com quem começamos a conversar e que, ao se despedir, nos deu seu telefone e o da esposa, oferecendo a casa caso quiséssemos ficar lá. E de repente aparece uma mulher pedindo espaço para retirar sua bicicleta, e nas poucas palavras que trocamos com ela ficamos sabendo que estava pedalando, juntamente com o marido, há quatorze dias desde Belém, com destino a Brasília. E não estamos falando de bicicletas sofisticadas nem da bagagem que se costuma associar a esses aventureiros: as magrelas eram das mais convencionais possíveis, e a bagagem devia ter, quando muito, uma troca de roupas.

Depois de nos instalarmos saímos para jantar e conseguimos comer uma ótima carne de sol, acompanhada pelas insuportáveis pickups carregadas com alguns milhares de watts de som. É difícil decidir o que é pior: o volume ou o repertório!


27/03/2011 - Domingo: Açailândia - Belém

Partimos de Açailândia um pouco tarde, e procurei andar mais depressa para não chegarmos muito tarde em Belém. Até Paragominas isso é impossível: dos trechos da Belém-Brasília por onde transitamos esse é definitivamente o pior. Buracos, trechos com calçamento muito irregular e até trechos recém-recapeados que parecem pistas de teste de suspensão: o asfalto é todo ondulado, formando uma sequencia de mini-costelas de vaca.

De Paragominas em diante a estrada melhora bastante, e a viagem teria se completado sem maiores incidentes se não fosse novamente a chuva. Já havíamos passado por duas ou três nuvens que até molhavam um pouco mas logo depois secávamos ao vento.

Numa parada para descanso em São Miguel do Guamá começou a chover, mas saímos sem roupa de chuva contando que a situação seria a mesma. Não deu certo: choveu ininterruptamente por duas horas, algumas vezes muito forte. Claro que quando nos demos conta disso já estávamos irremediavelmente encharcados, e não adiantava mais vestir roupa de chuva. E para tornar esse trecho mais emocionante, na BR que chega a Belém pegamos todo o trânsito dos locais retornando das praias: parecia a volta de Santos em plena temporada, um caos total.

Para se ter uma idéia de como foi esse trecho com seu trânsito completamente louco misturado com a chuva, levamos duas horas para trafegar menos de 140 quilômetros. Chegamos bem cansados ao hotel que, felizmente, havíamos reservado, o que nos poupou a procura de acomodações naquelas condições.

Ah, e esse trecho não tem fotos: nossa câmera pifou em Açailância, e temos que ver o que fazer quando chegarmos a Belém.


28-29/03/2011 - Segunda-feira/Terça-feira: Belém

Esses quatro dias foram um tanto confusos. Gastamos a segunda-feira inteira nos informando sobre o transporte da moto para Manaus e decidindo como nós nos deslocaríamos para o mesmo destino. O objetivo era aproveitar parte do tempo de viagem da moto no navio para conhecer outras coisas e ao mesmo tempo vivenciar a viagem pelo rio Amazonas. É curioso que as informações que se encontra na Internet sobre esses navios são todas de segunda mão, relatos e forums de viajantes. Nenhuma das empresas que faz esse serviço tem uma página onde se possa obter informação direta na fonte.

Contamos com importantíssima ajuda do Alex Reis, motociclista de Belém que o Paulo de Gurupi conhecia: O Alex ajudou muita gente com esse transporte, e nos apontou uma figura importante para fazer os trâmites: falamos diretamente com o genro do proprietário da empresa que vendia as passagens dos navios, o que diminui a desconfiança e também os preços: ficamos com a impressão que ele reduziu a comissão que eles pagam aos demais agenciadores (não dá para dar dez passos nas docas sem ser abordado por alguns deles).

Como a Internet do hotel era bem precária, pesquisar demais detalhes como passagens aéreas e hotéis se tornou bem demorado, tomando totalmente o dia - e mesmo assim não tínhamos ainda um quadro claro do plano de viagem. Aproveitamos também para dar um banho na moto, que já estava bem marron depois de todas as chuvas.

Até o fim do dia só havíamos falado com o Alex por telefone, e à noite fomos conhecê-lo pessoalmente. Aí ficamos conhecendo o 'verdadeiro Alex': ele (fundador), juntamente com um grupo de motociclistas, fazem um lindo trabalho de assistência a comunidades carentes do Pará. O objetivo é levar assistência médica básica, palestras sobre temas ligados à qualidade de vida e saúde, e também mantimentos e medicamentos a lugares tão isolados que somente de moto é possível atingí-los com relativa facilidade. Eles são acompanhados apenas por picapes 4x4 para transportar as mercadorias a serem distribuídas.

Vale a pena acompanhar esse trabalho, que merecia mais divulgação e apoio. Quem quiser saber mais entre em www.expedicionarios.webcindario.com. Conversamos bastante, e ainda conseguimos, graças à sua generosidade, resolver pelo menos durante nossa estadia em Belém, a questão da câmera: ele nos emprestou a sua!

Essa segunda-feira foi o trigésimo dia da nossa viagem - completamos aproximadamente um décimo do planejado. Até agora tudo bem, num ritmo tranquilo e gostoso.

Na terça-feira a manhã foi usada para uma 'mudança': já há bom tempo estávamos em contato, via email, com uma pessoa chamada David. Fizemos contato com ele através de uma comunidade chamada Couch Surfing (www.couchsurfing.com), mas esse contato era mais para obter ajuda com a questão do transporte da moto e outros detalhes. Ao ligar para ele ficamos sabendo que ele estava esperando por nós para dormir em sua casa - esse é o objetivo primário da comunidade Couch Surfing, oferecer abrigo a viajantes pertencentes a ela.

Claro que aceitamos o convite, e fomos para lá. Encontramos uma pessoa extremamente desprendida, que imediatamente nos forneceu as chaves de sua casa e nos deixou inteiramente à vontade para usá-la como quiséssemos. À tarde finalmente pudemos passear um pouco, começando por conhecer pessoalmente o Udivan, o tal 'genro do dono'. Acertamos a questão da moto com ele e obtivemos mais informações sobre o transporte para nós, para ajudar a tomar a decisão final.

O resto foi passeio, almoçando na Estação da Docas, um complexo de restaurantes instalado num armazém das Docas restaurado. Lugar gostoso, com boa comida, mas a preços relativamente 'temperados'. De lá seguimos para o famoso Ver o Peso. Não é fácil descrever as impressões sobre essa área de Belém. Certamente pitoresco e muito tradicional (comemorou 384 anos no dia 27/03 com uma grande festa). Mas, ao mesmo tempo, feio e sujo, sendo esse lado sublinhado pelos urubús que infestam a área de atracação dos barcos de pesca. Tudo bem que tem que ser visitado por quem vai a Belém, mas não conseguimos compartilhar o entusiasmo de outros viajantes.

No fim da tarde voltamos para a casa do David sob a tradicional chuva de Belém, que pelo menos atualmente e nessa época do ano caiu fielmente todos as tardes, mas com horários, intensidade e duração bem variados. Roupa de chuva, temperaturas relativamente altas e o congestionamento de fim de tarde na cidade tornaram esse trajeto muito chato. Aliás, falando de temperaturas, ficamos um tanto surpresos com elas aqui em Belém: em nenhum momento precisamos de ar condicionado para dormir, um ventilador foi mais que suficiente, e às vezes ainda tivemos que diminuir sua velocidade. Não era bem o que esperávamos.

Agora, durante o dia o bicho pega forte, e aí o ar condicionado é muito bem vindo mas ainda com uma ressalva: o pessoal aqui deixa o ar muito frio, provocando choques térmicos bem desagradáveis entre o sol escaladante e temperaturas mais próximas de 15 que de 20 graus.
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À noite fomos a Icoarací com o David, um casal de viajantes pelo Couch Surfing e seu anfitrião. Icoarací é uma região de praia coalhada de restaurantes e quiosques que devem lotar no fim de semana, mas na terça-feira estava super tranquila. O único problema é aguentar os vendedores de tudo que é bugiganga, cantores, mágicos e outros 'artistas' que desfilam ininterruptamente pela mesa da gente.

Durante esse passeio duas coisas se esclareceram: o David não é 'um David qualquer'. Ele é o David Cruz que passou alguns anos pedalando pelo mundo. Uma grande pessoa, com muitas histórias para contar e muito generoso e desprendido. A melhor forma de conhecer algo sobre ele é ler o livro que escreveu relatando suas viagens: Atravessando Fronteiras.
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