Beth & Heinz Klein

(Moto)viagens

Diário de bordo -  Américas 2011: Venezuela / Rumo à Colômbia II

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04/05/2011 - Quarta-feira: Maracaibo

Uma coisa que já queríamos ter comentado antes mas que foi passando: ontem ao tomar banho descobrimos - havíamos esquecido de perguntar na recepção - que este hotel é daqueles que não têm água quente. Pois é, aqui na Venezuela, particularmente nessa faixa mais próxima do litoral, há muitos hotéis que não têm água quente - e ter água quente influi no preço do quarto.

E não estamos falando de aquecedor desligado ou coisa parecida: este hotel não tem encanamento para água quente. Só se colocar chuveiro elétrico, mas aí olha-se para a parede e não se vê ponto de eletricidade para isso. Ou seja, não tomar banho quente é uma coisa quase institucional em muitos lugares da Venezuela. Quem fizer questão de água quente não esqueça de verificar isso ao fazer a reserva ou perguntar por quarto na recepção.

Ontem já fomos dormir com uma inclinação para ficar aqui por mais um dia, e hoje de manhã a meteorologia nos ajudou a decidir: ao acordarmos chovia torrencialmente, e choveu até umas 10h. Então decidimos passear um pouco e ver alguma coisa da cidade.

Pesquisamos na Internet, fizemos algumas perguntas na recepção do hotel, e encaramos o dia mais maluco que tivemos até agora como turistas. Confirmando o que víramos na Internet, o recepcionista do hotel disse que existe um ônibus turístico que percorre os principais pontos da cidade. Ele disse também disse que esse ônibus sai de um centro comercial a pouco mais de um quilômetro do hotel.

Tocamos para lá a pé, felizes por caminhar um pouco - não o faziamos há tempo. Mas descobrimos rapidamente que essa atividade não é tão fácil de realizar aqui: a umidade é muito alta, principalmente depois da chuva de hoje, e a temperatura também não é brincadeira: não verificamos, mas baseado nas leituras da moto ontem, calculamos que estava lá pelos 34 graus.
Chegados ao shopping levamos uns minutos para localizar a casinha de venda das passagens e descobrimos que não havia ninguém lá. Perguntamos em outro estabelecimento e o rapaz disse que a pessoa retornaria lá pelas 13h30, talvez 14h. Esse tipo de resposta é comum, cumprimento de horários é algo um tanto vago aqui. Algo inesperado que encontramos no shopping: um rinque de patinação no gelo!
Ficamos rodando pelo shopping até as 14h (claro que ninguém apareceu antes), mas mesmo aí só apareceu um senhor que aparentemente veio pegar alguma coisa na casinha, porque logo saiu de novo. Perguntamos a ele a respeito da compra do bilhete e ele informou, antes de mais nada, que o ônibus sairia somente às 16h45 e 18h45. Epa, essa parte não haviam nos contado, e não tínhamos a menor intenção de ficar mais duas horas e meia rodando naquele shopping. Decidimos tomar um taxi até a Plaza Bolívar, que era nosso objetivo desde o início.

Chegando lá mais uma surpresa: a catedral, por onde queríamos começar o passeio, estava fechada. Perguntas a diversas pessoas indicaram (não sabemos até agora se era verdade) que ela abriria às 16h, talvez 16h30...

Depois de rodar um pouco pela praça (a catedral fica numa das faces dela) optamos por almoçar para preencher o tempo. Demos uma volta curta, não encontramos muitas opções e acabamos entrando num 'botecorante' muito esquisito: tinha três televisões transmitindo corridas de cavalos, e o ambiente lembrava um cruzamento de pub inglês de baixo nível com boteco brasileiro. Frequencia 99,9% masculina, sendo que 100% desses homens tinha uma garrafa de cerveja à sua frente e bebiam direto da garrafa. E não duvidaríamos se fossem todos funcionários públicos: com exceção da catedral todos os prédios em torno da Plaza Bolívar são governamentais, municipais, estaduais ou federais.

A comida até que não estava ruim, e sobrevivemos a mais essa experiência. Voltamos para a praça e continuamos esperando pela abertura da catedral, até que lá pelas 16h20 desistimos e fomos ver o resto. E esse resto é muito bonito: formando uma linha com a catedral e a Plaza Bolívar há a igreja de Santa Barbara, um monumento em honra da Virgem de Chinquinquirá, um belíssimo passeio de jardins e finalmente a Basílica de Nossa Senhora de Chinquinquirá.

É uma sequencia de edificações e jardins excepcionalmente bonita, e essa beleza se torna mais estranha ainda quando se olha para o outro lado das ruas que a circundam e só vê a usual barafunda de centenas de ambulantes e tendinhas de comida que parecem existir em toda parte.

Terminado esse passeio turistico compramos alguma comida num supermercado, de forma a não depender de restaurante nem para comer algo à noite como também para o café da manhã de amanhã. Ao sair perguntamos onde ficava a avenida do hotel e ouvimos o quase refrão que se ouve em recepções de hotel e pelo visto também na rua: é muito longe e pouco seguro. Até estávamos pensando em seguir o conselho de pegar um carrito (não temos certeza qual dos coletivos é chamado assim) ou um taxi, mas quando chegamos à avenida onde tomaríamos qualquer um dos dois vimos que o hotel era 'logo ali'. Vinte minutos de caminhada nos trouxeram de volta e com isso encerramos o dia.


05/05/2011 - Quinta-feira: Maracaibo - Riohacha (CO)

Um daqueles dias em que a adrenalina impede que se sinta dor na bunda, e se aguenta um tempão em cima da moto sem maiores problemas.

Primeira conclusão: no dia em que formos parar num país em que não seja possível uma comunicação minimamente viável com a população, queremos um GPS, e com mapas super-detalhados! Só chegamos à fronteira porque conseguíamos perguntar o caminho e entender as respostas. Mas tudo em sua hora.

Partimos de Maracaibo às 9h00, sem pressa porque sabíamos que o trajeto seria de uns 250 quilômetros - não deveria ser tão difícil. A coisa começou a ficar 'emocionante' a uns 80 km de Maracaibo: primeiro, havíamos decidido que abasteceríamos uma última vez mais ou menos por ali. No primeiro posto por que passamos a fila de carros para abastecer era de no mínimo uns trinta veículos. Decidimos que não economizaríamos os US$ 20-30 que representam a diferença de custo entre a gasolina na Venezuela e na Colômbia.

A segunda constatação é que naquela região desaparecem todas as placas: não há mais nomes das localidades onde se passa, não há uma placa indicando qualquer cidade/povoado nos cruzamentos e bifurcações. Mesmo que tivéssemos um mapa duvidamos muito que fosse suficientemente detalhado para permitir escolher entre as diversas estradinhas que se pode pegar pelo caminho.

Fomos avançando na base da pergunta, mas mesmo aí com dificuldade: como praticamente não havia mais núcleos urbanos, tínhamos que perguntar a gente ao longo da estrada, e encontramos alguns que não entendiam nossa pergunta ou não sabiam onde ficava a Colômbia - não conseguimos ficar sabendo qual a hipótese correta.

Aí vimos um posto com fila semelhante à anterior, mas à nossa frente havia um motociclista local que entrou no posto ignorando totalmente a fila, parou junto à bomba e foi atendido. Ora, fizemos o mesmo, e cinco minutos depois tínhamos um tanque cheio - fácil, é só ter um pouco de cara de pau.

Durante a parada perguntamos novamente pelo caminho, e depois de ver a pergunta circular por pelo menos umas cinco pessoas que não sabiam ou davam respostas muito pouco claras, recebemos indicações mais precisas de um caminhoneiro e tocamos em frente. Mesmo assim, por segurança passamos a perguntar a cada quinze minutos de viagem, só para ter certeza. Viram, também falamos em minutos e não mais em quilômetros - nessas estradas aqui só tempo faz sentido!

Quando faltava pouco para a fronteira encontramos um casal alemão preocupadíssimo porque haviam saído da Colômbia com pouco combustível para comprar na Venezuela e os postos ali perto da fronteira não tinham gasolina. Incompreensível, num dos maiores produtores de petróleo do mundo postos sem gasolina! Conversamos um pouco, passamos as informações que tínhamos e, quando estávamos partindo vimos um venezuelano colocando a 'pistola' da bomba no tanque de uma das motos. Não sabemos como nem por que mas de repente parece que acharam gasolina no posto. Coisa maluca.

A saída da Venezuela começou muito bem. A saída da moto foi feita em cinco minutos, e ainda ficamos conversando um pouco com um canadense que está fazendo a viagem para o sul. Dali seguimos para o controle de passaportes, uns quinze quilômetros mais para a frente. Sabíamos que teríamos que pagar um imposto de saída, que de acordo com o Lonely Planet era de BsF 55,00 por pessoa.

Chegamos ao ponto de fronteira onde se faz esse controle, preenchemos o formulário de saída e fomos questionados sobre o recibo do imposto. "Ué, não é aqui que se paga?"  Não, é numa casinha branca alguns quilômetros antes. Para resumir: uns 7 quilômetros antes do posto de fronteira existe uma casinha branca do lado esquerdo da estrada para quem vai para a fronteira - isso mesmo, só quem está saindo do país tem que fazer esse pagamento, mas a casinha fica do outro lado da pista. E sem nenhuma placa que indique que ali se paga o impuesto de salida. Que por sinal não é mais BsF 55,00 mas sim BsF 76,00. Já havíamos reservado os BsF 110,00, mas por sorte acabamos não zerando o dinheiro no hotel, e ainda tínhamos o suficiente para pagar o novo valor.

Voltamos à fronteira, apresentamos passaportes, formulários e recibo e conseguimos finalizar a saída da Venezuela. E no final das contas temos que nos dar por gratos que lá não fecham para almoço: mais uma vez, graças à lentidão do progresso naquelas estradas, havíamos chegado à fronteira depois do meio-dia.

Muito bem, avançamos menos de um quilômetro e paramos para os trâmites colombianos. A imigração foi simplesmente espetacular: nada de formulário, o funcionário digita as informações diretamente no sistema e colhe suas digitais com leitor óptico. Menos de cinco minutos para os dois!

Atravessamos a estrada e fomos à aduana. Ali houve um atraso porque o pessoal estava almoçando, mas também não foi nada terrível. A única surpresa foi que eles conseguiram inventar uma cópia de documento que não tínhamos (nós levamos de casa cópias de todos os nossos documentos, em grande quantidade): queriam uma cópia da página do passaporte onde haviam carimbado o visto de entrada.

Mas isso também não foi problema: logo ao lado há uma casinha onde fazem a cópia. Ah, e eles também querem decalque do número do chassis da moto. Também resolvido de forma que poderíamos dizer indireta: uma pessoa que fica ali fora fez isso para nós, e não pagamos nada pela cópia nem por esse trabalho. Bem, não pagamos porque fizemos o seguro de responsabilidade civil obrigatório na mesma casinha da cópia - certamente esse seguro saiu mais caro que se fízéssemos em Maicao ou Riohacha, mas pelo menos liquidamos tudo ali mesmo e saímos 100% legalizados. O seguro, para três meses (azar nosso - e seu se estiver na mesma situação - em ficar só dez dias) custou US$ 68,00.

Um cuidado adicional que motociclistas têm que ter na Colômbia: a partir da 18h é obrigatório o uso de um colete de tecido cor de laranja com o número da licença gravada nele - pelo menos parte disso deve ser refletiva, mas ainda não vimos um em ação. Portanto, se quiser simplificar sua vida, procure se programar para parar antes das 18h. Caso contrário é necessário comprar um desses coletes. Não sabemos maiores detalhes sobre essa procedimento porque não temos a menor intenção de ser apanhados numa situação que o exija.

Finalmente estávamos liberados e tocamos para Riohacha via Maicao. Primeira surpresa: sinalização de estradas prá lá de completa, com distâncias que fazem sentido, pois a tocada na estrada - pelo menos nos quase 90 quilômetros que andamos hoje - é bem mais homogênea que na Venezuela, tanto pelo ritmo uniforme dos veículos como pela qualidade da própria estrada.
Mas eles também têm lombadas, e essa são sofisticadas: primeiro vêm três depressões de uns 2-3 cm de profundidade (faixas amarelas na foto) e uns vinte de largura correndo pela estrada paralelas às lombadas. Sim, são duas lombadas (faixa branca) e não uma, logo depois da última depressão. E depois das lombadas mais três depressões! Por ali ninguém passa depressa sem sofrer danos na suspensão.

Outro detalhe: policiamento (polícia + exército) mais ostensivo e intensivo que na Venezuela - num dos pontos eles tinham um carro de combate blindado - mas até agora só vimos o mesmo comportamento que outro viajante já havia descrito: dedão para cima em sinal de 'positivo' quando passamos.
Chegamos sem problemas a Riohacha, tivemos que rodar um pouco para encontrar um hotel que agradasse - e acabamos de descobrir que o problema do chuveiro se repete aqui: banho frio! Bom, não é frio, frio. Para dar uma idéia, imaginem aquela sensação de colocar a mão na água e achar que ela está meio morna, mas quando se entra no banho a sensação é de mais frio. É isso que temos por aqui.

A cidade não é nada de especial apesar de ter uma praia bonitinha - mas nada excepcional. Ela é mais um ponto de apoio para excursões a outras localidades do estado de Guajira, mas é agradável e com aspecto um pouco mais calmo e organizado que as cidades venezuelanas equivalentes.

Temos uma teoria sem comprovação: uma diferença que se nota logo ao entrar na Colômbia é o número muito maior de motos circulando, comparado com a Venezuela. Nossa teoria: aqui o preço da gasolina é suficientemente alto para incentivar o uso de moto, na Venezuela o pessoal não quer nem saber.

Aqui há pouquíssimos carros velhos e lentos, ônibus e taxis ainda param de forma meio aleatória, mas cada moto é um carro a menos, então o balanço final é muito favorável quando comparado com a Venezuela.

Amanhã vamos ver como usar bem o tempo de permanência aqui. Afinal, agora temos de cinco a seis dias para andar 380 quilômetros - a distância até Cartagena. Não temos nenhuma pressa, muito pelo contrário...

Venezuela - Balanço final

Antes de partirmos definitivamente para o que vai acontecer na Colômbia, vamos tentar resumir o que foram esses vinte dias na Venezuela. O país tem belezas naturais muito bonitas, e defitivamente vale a pena ser visitado. Infelizmente para curtir essas belezas com veículo próprio é necessário suportar um trânsito caótico, em grande parte em função do perceptível empobrecimento da população, que se reflete nos carros muito velhos e uma série de consequências provocadas por eles.

Por outro lado é um povo extremamente alegre e hospitaleiro, com o qual é facílimo puxar conversa, obter informações e ajuda se necessário. Fala-se muito da corrupção da polícia e da Guardia Nacional, mas tivemos somente uma abordagem que parecia ir para esse lado (a primeira pergunta do policial foi se estávamos sós - sem outras motos ou carros) mas que foi neutralizada por outro policial presente no local. No mais não tivemos o menor problema, e foram vinte dias bastante tranquilos desse ponto de vista.

Outra agradável surpresa foi a comida. Encontramos uma variedade rica de pratos, típicos e nem tanto, na maioria das vezes com tempero suave e saboroso. Comemos bem mais peixe e frutos do mar que carnes, tanto por gostarmos muito desse tipo de comida como por ser uma oferta que se encontra em todo o país - não somente na costa. No geral come-se bem e barato. Não estamos falando de botecos de beira de estrada, mas também não é necessário procurar restaurantes estrelados para comer o que comemos.

Ah, um cuidado: carne grelhada mediana é bem mal passada! Para comer algo ao ponto (correndo o risco de ficar um pouco passada) deve-se pedir 3/4.
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